Pela excelência do texto, só poderia ser do Luis Fernando Veríssimo, de quem já dei mostras que sou fã incondicional.
- Vai Horácio. Toma logo.
-Eu não tomo nada sem antes ler a bula. Cadê meus óculos?
-Pendurados no seu pescoço.
- Isso é ridículo, Maria Helena. Ridículo!!!
- Então, todos os homens da sua idade são ridículos. Por quê todos estão tomando? E não me puxa esse lençol, fazendo o favor. Olha aí o bololô que você fez nas cobertas!
- A humanidade conseguiu crescer e se multiplicar durante milênios sem isso. Nós dois crescemos e nos multiplicamos sem isso.
- Taí o Pedro Paulo, tai o Zé Augusto que não me deixam mentir. Fora aquele aborto que você fez.
- Horácio, eu não vou discutir isso com você agora. Toma logo esse negócio.
- Isso aqui faz mal pro coração, sabia? Um monte de gente já morreu tentando dar uma trepadinha farmacêutica.
-Foi por uma boa causa. E não faz mal coisa nenhuma. Só pra quem é cardíaco e toma remédio. Você não é cardíaco. Nem coração você tem mais.
- Não começa, Maria Helena, não começa.
- Pode ficar sossegado que você não vai morrer do coração por causa dessa pilulinha. Eu vi num programa do GNT um velhinho de 92 anos que toma isso todo dia.
- Sério?
- Preciso de sexo, Horácio.
- Mas hoje é segunda, Maria Helena...
- Quero trepar!!! Foder!!! Ser comida por um macho de pau duro!!!
- Francamente, Maria Helena, que boca. Parece que saiu da zona.
- Quero ser penetrada, quero gozar.
- O sexo é uma ditadura, Maria Helena. A gente tá na idade de se livrar dela.
- Saudades da dita dura. Olha só, você me fez fazer um trocadilho de merda.
- Além do mais, Maria Helena, nós já tivemos um número mais que suficiente de relações sexuais na vida, por qualquer padrão de referência, nacional ou estrangeiro. A quantidade de esperma que eu já gastei nesses anos todos com você dava pra encher a piscina aqui do prédio.
- Com o esperma que você ordenhou manualmente talvez. O que o senhor gastou comigo não daria pra encher nem o bidê aqui de casa. Um penico talvez, até a metade.
- Maria Helena...
- E faz quase um ano que não pinga uma gota lá dentro!
- Sossega o facho, mulher. Vai fazer ioga, tai-chi-chuan. Já ouviu falar em feng-chui, shiatsu? Arranja um cachorro. Quer um cachorro? Um salsichinha?
- Quero um salsichão, Horácio. Olha aí: outra piadinha infame.
- É porque você ta com idéia fixa nessa porcaria.
- Que porcaria?
- O sexo, Maria Helena, o sexo.
- Sabe o que mais que deu naquele programa sobre sexo, Horácio?
- Não estou interessado.
- Deu que as mulheres com vida sexual ativa tem muito menos chance de ter câncer. É científico.
- Come brócolis que é a mesma coisa, Maria Helena. Protege contra tudo que é câncer. Também é científico, sabia? E puxado no azeite, com alho, fica uma delícia.
- A que ponto chegamos, Horácio. Eu falando de sexo e você me vem com brócolis puxado no azeite!
- Com alho.
- Faça-me o favor, Horácio.
- Maria Helena, escuta aqui, você já tem 50 anos, minha filha, dois filhos adultos, já tirou um ovário, já...
- Não fiz 50 ainda. Não vem não. E o que é que filho e ovário tem a ver com sexo?
- Maria Helena, me escuta. Depois de uma certa idade as mulheres não precisam mais de sexo.
- Ah não? Quem decidiu isso?
- Sexo nessa idade é pras imaturas. Pras deslumbradas, pras iludidas que não sabem envelhecer com dignidade.
- Prefiro envelhecer com orgasmos.
- O que é que Freud não diria de você, Maria Helena.
- E de você, então, Horácio? No mínimo, que você virou gay depois de velho. Boiola.
- Maria Helena! Faça-me o favor. Eu tenho que ouvir isso na minha própria casa, na minha própria cama, diante da minha própria televisão?
- Aliás, gay gosta de trepar. É o que eles mais gostam de fazer. Você virou outra coisa, sei lá o quê. Um pingüim de geladeira, talvez.
- Maria Helena, dá um tempo, tá? Tenho mais o que fazer.
- Fazer? Essa é boa. O que é que um bancário aposentado com salário integral tem pra fazer na vida, posso saber? Ficar jogando bilhar a tarde inteira?
- Sem comentários Maria Helena, sem comentários.
- Tá bom, sem comentários. Bota os óculos e lê de uma vez essa bendita bula.
- Só que precisa de dois óculos pra ler isso. Olha só o tamanhico da letra. Se é um negócio pra velho, deviam botar uma letra bem grande. Pelo menos isso.
- Vira o foco do abajur pra cá... assim... melhorou.
- Abaixa o volume dessa televisão também. Não consigo me concentrar ouvindo novela. Mais. Mais um pouco.
- Pronto , patrãozinho. Sem som. Vai, lê duma vez.
- O princípio ativo do medicamento é extrato de sildenafil.
- Sei...
- Veículos excipientes: celulose microcristalina...
- Celulose vem da madeira. Pau, portanto. Bom sinal.
- Onde foi parar a sua pouca educação, Maria Helena?
- Vai lendo, Horácio. Depois conversamos sobre a minha pouca educação...
- Cros... camelose sódica. Croscamelose. Castrepa, Maria Helena. Me recuso a tomar um troço com esse nome. Deve ser alguma secreção de caramelo. Se não for coisa pior.
- Não é camelose. Num tá vendo aí? É caRmelose. Deve ser algum adoçante artificial. Pro seu pau ficar doce, meu bem.
- Putz. Só rindo mesmo. A menopausa acabou com a sua lucidez, Maria Helena.
- Troco toda a lucidez do mundo por um pau tinindo de tesão por mim.
- Absurdo, absurdo.
- Que mais, que mais, Horácio?
- Dióxido de titânio.
- Ah, titânio. Pro negócio ficar bem duro.
- Índigo carmin...
- Índigo? Deve ser o que dá o azul da pilulinha.
- Será que esse negócio não vai deixar meu pau azul, Maria Helena?
- E daí, se deixar? Você não sai por aí exibindo o seu pênis, que eu saiba. Ou sai?
- Mas, e se eu for a um mictório público? O que é que o cara do lado não vai pensar do meu pinto azul?
- Diz que você é um alienígena, ora bolas. Que seu corpo está pouco a pouco se adaptando à Terra, que ainda faltam alguns detalhes. Ou explica que você é um nobre, de sange e pinto azul. Ou não diz nada, ora bolas. Acaba de mijar, guarda o pinto azul e vai embora, pô.
- Escuta. Agora vem a parte que explica como esse petardo funciona.
- Isso. Quero ver esse petardo funcionando direitinho.
- Presta atenção. “O óxido nítrico responsável pela ereção do pênis, ativa a enzima guanilato ciclase, que, por sua vez, induz um aumento dos níveis de monofosfato de guanosina cíclico, produzindo um relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos do pênis e permitindo assim o influxo de sangue.” Cacete. Corpos cavernosos. Já pensou, Maria Helena? Corpos cavernosos sendo inundados de sangue? Puro Zé do Caixão.
- Corpo cavernoso só pode ser herança do homem das cavernas. Vocês homens evoluem muito lentamente.
- Para de viajar, Maria Helena. Parece que fumou maconha.
- Não era má ideia. Pra relaxar. Vou roubar do Pedro Paulo. Eu sei onde ele esconde. Poderíamos fumar juntos.
- Eu já to relaxado. Tô até com sono, pra falar a verdade.
- Lê, lê, lê, lê, aí. Você já dormiu tudo a que tinha direito nessa vida.
- Vou ler. “Todavia, o sildenafil não exerce um efeito relaxante diretamente sobre os corpos cavernosos...”.
- Não?
- Não, Maria Helena. Ele apenas “aumenta o efeito relaxante do óxido nítrico através da inibição da fosfodiesterase -5, a qual”-veja bem, Maria Helena, veja bem -“a qual é responsável, pela degradação do monofosfato de guanosina cíclico no corpo cavernoso?” Ouviu isso? Degradação, Maria Helena. Dentro dos meus próprios corpos cavernosos. Degradante...
- Degradante é pau mole.
- Olha o nível, Maria Helena! Olha o nível!! Vamos ver os efeitos colaterais. Olha lá: dor de cabeça. Você sabe muito bem que se tem uma coisa que eu não suporto na vida é dor de cabeça.
- Na cultura judaico-cristã é assim mesmo, Horácio. Pra cabeça de baixo gozar, a de cima tem que padecer.
- Não me venha com essa sua erudição de internet, Maria Helena. Estamos off-line.
- Deixa de ser criança, Horácio. Se der dor de cabeça você toma um Tylenol, reza uma ave-maria, canta o “Hava Naguila” que passa.
- Outro efeito colateral: rubor. Rá, rá. Vou ficar com cara de que, Maria Helena? De camarão no espeto?
- Se for camarão com espeto, tá ótimo. Que mais, que mais?
- Enjoos. Ó céus! Enjoos...
- Você sempre foi um tipo enjoado, Horácio. Ninguém vai notar a diferença.
- Vamos ver o que mais... hum... dispepsia. Que lindo. Vou trepar arrotando na sua cara.
- Você me come por trás. Arrota na minha nuca.
- É brincadeira... É essa a sua ideia de amor, Maria Helena?
- Isso não tem nada a ver com amor, Horácio, Já disse: é profilaxia contra o câncer. E arrotar, você já arrota mesmo o dia inteiro, sem a menor cerimônia. Na mesa, na sala, em qualquer lugar.
- Como se você não arrotasse, Maria Helena.
- Mas não fico trombeteando os meus arrotos. Isso é coisa de machão broxa. Em vez de trepar com a esposa, fica arrotando alto pra se sentir o cara do pedaço.
- Como você é simplória, Maria Helena, como você é... menor. Desculpe, mas acho que o seu cérebro anda encolhendo, sabia? Ou mofando. Ou as duas coisas. Vai dizer justo na hora de trepar?
- Eu não nasci pra dizer coisas interessantes a você, Maria Helena.
- Já percebi.
- Hum. Ouve só; diarréia!
- Quê?
- É outro efeito colateral desta bomba aqui. Fala sério, Maria Helena. Isto aqui é um veneno. Não sei como eles vendem sem receita.
- Deixa de ser pueril. Horácio. Imagina se alguém vai ter todos os efeitos colaterais ao mesmo tempo. No máximo um ou dois.
- A caganeira e os arrotos, por exemplo? Ou a ânsia de vômito e os gases?
- Faz um cocozinho antes. Pra esvaziar! Agora, Horácio. Eu espero.
- Eu não estou com vontade de fazer cocozinho nenhum, Maria Helena. Faça-me o favor. E olha aqui, mais um efeito colateral: visão turva.
- Você bota os seus óculos de leitura. E que tanto você quer ver que já não viu?
- Maria Helena, você não entendeu? Esta droga perturba seriamente a visão. Vou ficar cego por sei lá quantas horas, quantos dias. E tudo por causa de uma reles trepadinha? E se a minha visão não voltar? Vou andar de bengala branca pro resto da vida?
- Pode deixar que eu guio a sua bengala, Horácio. Olha, pensa no lado bom da cegueira: você vai poder me imaginar vinte anos mais moça. Trinta, se quiser.
- Maria Helena, desisto. Não vou tomar essa porcaria e tá acabado.
- Dá aqui essa cartela, Horácio. Abre a boca. Pronto. Engole. Olha a água aqui. Isso. Que foi? Engasgou, amor?! Tosse pra lá ô! Me borrifou toda! Que nojo! Quer que bata nas suas costas? Ai, meu Deus! Horácio? Você está bem? Respíra fundo! Isso, isso... E aí, amor? Melhorou? Morrer afogado num copo d’água ia ser idiota demais, até prum cara como você.
- Arrr! E com essa pílula monstruosa entalada na garganta, ainda por cima! Ufff! Me dá mais água.
- Quanto tempo isso aí demora pra fazer efeito?
- Isso aí o quê?
- A pílula, Horácio, a pílula.
- E eu sei lá?
- Vê na bula, Horácio.
- Hum ... ta aqui: 30 minutos.
- Ótimo!!! Dá tempo de ver o fim da minha novela!!